Fomos pegos de surpresa aqui na redação, quando se deu o anúncio deste projeto DIABOLISM, que conta com nada mais nada menos que Magister Templi Lhorde Haadaas Naberius, mente criativa e líder da horda Eternal Sacrifice. Como não poderia ser diferente, o fio condutor da musicalidade da DIABOLISM é o Black Metal, porém seguindo uma veia bem menos clássica e sinfônica, se formos traçar um paralelo com a já citada Eternal Sacrifice. Desta forma, a nossa satisfação foi plena e a curiosidade acerca do seu primeiro lançamento, o EP “Sidvs”, foi inebriante e que nos impulsionou a conversarmos com Naberius, sobre todos os temas intrínsecos ao DIABOLISM. O papo foi bastante longo, e os melhores momentos seguem abaixo…
– Você meio que pegou toda cena de surpresa com o anúncio do DIABOLISM, tendo em vista que lidera única e exclusivamente a horda Eternal Sacrifice, desde 1993. Por qual razão, neste momento de sua carreira, decidiu se enveredar em outro projeto?
Anton Naberius – Saudações à todos! Recebemos com muito orgulho essa entrevista que inaugura mais um veículo de comunicação underground, que é algo realmente necessário para fortalecer os alicerces das bandas brasileiras, além das outras atividades atreladas, e dar mais visibilidade para aqueles que a mantém de pé. Já tive muitos outros projetos antes da DIABOLISM e alguns exitosos como Wintermoon e Aborym, este último ainda em atividade, porém sem nenhum registro atual. O DIABOLISM tem um pouco mais de tempo que foi idealizado, já teve outras nomenclaturas como Diablerie, Frost Drakkul Dangeons até chegarmos ao nome DIABOLISM. Foi, de fato, um processo de amadurecimento da ideia e quando vimos que o caminho estava bem pavimentado demos seguimento ao mesmo, então o DIABOLISM veio se mostrar ao público. Como disse no início da resposta, não é bem uma “novidade”, mas acredito que surpreendemos muita gente, principalmente o fato de ter integrantes da Eternal Sacrifice na banda, mas posso afirmar que temos muitas referências musicais dentro do Metal e, tantos anos consumindo esse universo, não seria difícil trilhar um caminho sonoro que soasse diferente do que já fazemos em outras bandas. DIABOLISM foi um meio de canalizar essas outras influências e fazê-las soar como nossas próprias construções.
– O DIABOLISM pratica um Black Metal old school e, para minha satisfação, se difere muito do som do Eternal Sacrifice. Tomar este tipo de cuidado foi algo previamente pensado?
Anton Naberius – A comparação nós já sabíamos que iria acontecer, ainda mais quando se trata de um frontman que tem praticamente as mesmas funções em ambas as bandas, ou seja, sou o cara que é responsável pela identidade visual, intelectual, etc. Isso tudo marca muito o perfil de uma banda, mas a DIABOLISM tem uma peculiaridade sonora muito distinta do que se faz na Eternal Sacrifice, e assim as outras coisas seguiram esse mesmo processo de diferenciação, visualmente, nas construções e direcionamentos das letras, tudo isso colabora para as bandas serem distintas. Ainda que contenham um DNA muito importante da Eternal Sacrifce, fechando os olhos, vocês irão sentir que até a região que canto não é a mesma. A princípio houve uma preocupação em não soar igual, pois seria sem propósito fazermos duas bandas para tocarmos do mesmo jeito. Se fosse pra ser igual, a DIABOLISM nem existiria. Eu acredito piamente que, para se montar uma banda é preciso sim pensar, criar uma identidade, se preocupar com os detalhes e, acho que a experiência que temos nos dá esse conforto para fazermos o que fazemos hoje. Investir seriamente num projeto e ele imediatamente cumprir seu papel ,que é transmitir as nossas verdades, o sentimento da mão esquerda está ali, totalmente impregnado.
– “Sidvs”, primeiro EP da DIABOLISM, foi lançado no Brasil pela Black Hearts Records e Blasphemy Productions. Como se deu o processo de composição e produção deste trabalho?
Anton Naberius – O processo aconteceu durante uns três anos, entre definição da formação, composições das músicas, já que no caminho fomos fazendo uma triagem e montando a identidade sonora da banda. Depois fomos delineando como construiríamos essa identidade visual também e a primeira formação mostrou dificuldade em se adaptar ao processo da banda e refizemos tudo novamente até chegarmos nisso que somos hoje. Depois, felizmente, sou muito bem relacionado com alguns selos nacionais e fui conversando aqui e ali, e as coisas aconteceram rapidamente. Lançamos uma proposta de lançamento e discutimos os formatos, os selos foram muito receptivos e até nos deram itens a mais do que havíamos pensado e o material saiu com uma grande qualidade. Vale muito a pena obter o material físico, principalmente para quem ama este tipo de formato. A versão em k7 é de encher os olhos e tudo isso para uma banda estreante, porém o que ficou latente é que não se trata apenas de ser uma banda estreante, e sim uma estreia com músicos rodados, conhecidos, que estão atuantes em outras bandas, inclusive. Em verdade a estreia é do baterista Chemosh, que sim, foi sua primeira banda, sua primeira gravação e ele já veio mostrando toda sua potência e maestria com seu instrumento. Vejo em Chemosh uma grande promessa do Metal Extremo e ainda vamos ouvir falar muito desse garoto.
– A faixa título do EP ganhou status de Single, com direito a um lyric video muito bem produzido. Por qual razão escolheram-na para apresentar o que viria a ser o produto final?
Anton Naberius – Sim, achamos que é a melhor faixa para nos apresentar! Costumamos classificar nossa música como demolição sonora e, a faixa “Sidvs”, representa tudo isso ao mesmo tempo que é um som avassalador, rápido e tirano, tem uma melodia cativante, um solo repleto de sentimento sinistro e um vocal que corta as almas, que corta a carne feito adagas afiadas. Não teria outra música do EP que tivesse tanto apelo quanto essa e foi isso nos veio à mente: ninguém nos conhece ainda, então vamos nos apresentar devassando toda nossas entranhas numa faixa que foi feita com esse sentimento devastador.
– “Sidvs” conta com cinco faixas e o que chama a atenção é que é um material todo amarrado. A impressão que me passou é que trata-se de um EP conceitual, estou certo? Como tivemos acesso apenas a versão digital, não pudemos entrar no âmbito da avaliação das letras das composições. Quais temas estão presentes neste primeiro artefato da horda?
Anton Naberius – Bom, conceitual eu trabalho na obras da Eternal Sacrifice, na DIABOLISM trabalho com uma vertente ocultista, mas as letras não contam uma história, são poemas livres e independentes, porém como já disse anteriormente, existe uma construção na identidade intelectual da banda que faz com que sua manifestação se transforme em algo sólido. Então aqui trata-se de algo direcionado e isso foi uma coisa que demos muita importância. Posso desta forma afirma que a DIABOLISM não é uma banda que faz música preocupada em agradar a todo mundo, escrevemos músicas ásperas, incomodas, que falam sobre coisas que incomodam a cultura ocidental pautada em uma religião pútrida, ou seja, estamos aqui servindo como um meio de desvelar esse vazio, de fazer quem está dentro do vazio cair profundamente nessa escuridão e até duvidar de quem é! Esse lodo que nos cerca e que nos faz páreas dessa sociedade de interesses escusos, não pertence à Ordo Draconis Diabolism! Somos símbolos de rebelião, a verdadeira descrição do que vem a ser radicalismo no sentido filosófico da palavra. A DIABOLISM versa em seus poemas experiências e sistemas ligados ao satanismo draconiano, assim como nos baseamos em diversas correntes da mesma ideologia, porém não somos adeptos de nenhuma delas. A DIABOLISM existe para trazer confusão mental mesmo, então não estamos interessados em doutrinar ninguém, porque precisamos apenas de nossa força interior, como diria Carlos Catañeda.
– Tendo em vista que “Sidvs” saiu tem pouco tempo, imagino que esteja nos planos da banda, a confirmação de apresentações ao vivo. De fato, vocês pretendem levar a música do DIABOLISM aos palcos ou se limitarão a ser um projeto de estúdio, similar ao que se tornou o Darkthrone?
Anton Naberius – Temos planos para nos apresentar ao vivo sim, porém atualmente estamos passando por uma questão que está acima de todas as nossas vontades, que é a ruína da raça humana, a degradação generalizada de uma espécie medíocre, torpe, imbecil e que tem o prazer de se autodestruir, indo na contramão de todas as demais espécies. A doença que nos assola tem como principal agente nós mesmos e vejo as pessoas agir com a soberba de que isso é passageiro, finito… pode até ser, mas as consequências disso estarão ao nosso redor por muitas gerações, aquelas gerações que não serão como a nossa. As pessoas riem quando a arte mostra mutantes, e nós estamos em mutação constante, afinal o que esperar de uma espécie que usa apenas 30% de sua capacidade cerebral? Disse tudo isso pois, diante da pandemia, achamos por bem não participarmos de nenhum evento, e há uma discussão entre nós que nos coloca neste paradoxo de se expor publicamente ou não. Portanto, que fique a dúvida também aos leitores. O povo preocupado com o que a mídia do ocidente anda dizendo sobre a Rússia, e Israel lançando granada em inocentes na Palestina (leia-se Síria), Arábia Saudita queimando o Iêmen de bombas e os EUA brocando a Somália e ninguém se pergunta porque… não vejo a mídia falar sobre os conflitos na África, nem o que tem passado em países do Oriente Médio, mas a grana que vai perder com a invasão da Rússia à Ucrânia faz dos ocidentais esse povo alienado, idiota e que acha que a geopolítica é um lançador de mísseis controlado remotamente!!!! Acordem, bando de imbecis… Só a morte é real.
– Você sempre foi um cara muito atuante na cena, e de posicionamentos bem radicais (principalmente na década de noventa). Como você avalia a atual cena Black Metal no estado da Bahia nos dias atuais?
Anton Naberius – Vivemos em outra época, tudo é muito diferente do que era nos anos 90 e por essas transformações provocadas pelos humanos, que são maiores que as individualidades, não caberia mais agir e pensar como antigamente, pois estamos aqui simplesmente falando de trinta anos atrás. A transformação fez com que meus pensamentos sobre radicalismo mudassem também. Me considero um radical, porém usando de outros conceitos, outros parâmetros e, para perceber em sua pergunta, eu não me considero pertencente a uma cena. Meu conceito de cena é mais complexo e profundo do que a quantidade de pessoas que existe em uma cidade que ouve Metal, a cena pra mim é composta por pessoas atuantes, dentro de um grupo coeso que tem ideais parecidos, que atuam em comum, que criam espaços para encontros, debates, performances, trocas de ideias e materiais, que tomam decisões dentro de um pleito ou que simplesmente se divertem. Não consigo mais enxergar isso há muitos anos em lugar algum, apesar de ter contato com algumas pessoas de outras cidades e até perceber que há uma contradição, há uma diferença do que vejo na minha cidade em relação às cidades distantes, então não cabe mais a mesma postura dos anos 90 na terceira década do século 21. A atualidade me mostra facilidades que jamais imaginávamos nos anos 90, sob todos os aspectos. Adquirir material, conversar em tempo real, a música ser cada vez mais virtual e o objeto físico entrar em decadência, então, quando poderíamos imaginar que bandas como Marduk lançaria um CD no Brasil e sairia quinhentas, trezentas cópias? Quem poderia imaginar que hoje todos poderiam facilmente acessar a Demo do Samael e ouvir na sala de casa na hora do jantar com a família? Vale o adendo de lembrarmos que essa família tem seu computador, smartphone particular, entre outros. Vivemos em outra era, em outro momento e, definitivamente, meu entendimento sobre cena não se aplica ao que de fato acontece hoje na contracultura que o Metal um dia representou. Hoje o Metal é apenas um estilo musical desagradável às massas, mas que é acessível a quem quiser. O real radicalismo que eu vivi e construí junto com outros na época, era avesso a tudo isso, ou seja, o que menos queríamos era que qualquer um pudesse ouvir a Demo do Samael, por exemplo.
– Boa parte da respeitabilidade que você tem diante dos fãs se dá, principalmente, pelo fato de você ser um leitor assíduo, o que fica evidente nas letras da Eternal Sacrifice. O que você tem lido ultimamente? Quais referências bibliográficas balizaram as composições encontradas em “Sidvs”?
Anton Naberius – De fato eu tento mergulhar no universo literário, porém uso isso como uma forma de catalisar e saber sobre outras experiências frente a mão esquerda, outros pensamentos, principalmente relacionados à culturas distantes da que estou imerso. Por outro lado, não faço disso ponte para seguir vendado, estou sempre me colocando criticamente diante de tudo que eu busco absorver para transformar em algo próprio, mesmo que aqui e ali soe similar, sempre terá minha visão pessoal a respeito e isso sim me satisfaz. Acredito piamente que o artista precisa ser natural no que faz e que, só assim, a arte dele irá traduzir ao público toda sua verdade, ainda que este artista não seja apreciado, por isso acho muito importante diferenciar gosto de entendimento e ai que entra gostar ou não de algo. Se eu entendo, mesmo não gostando, eu respeito. O respeito me dá muito mais prazer do que o gosto aleatório, emotivo… sabemos que gosto e emoção são a mesma coisa, pois posso gostar de algo só sentindo aquela emoção, ainda que não compreenda, que não entenda, e isso pode afetar meu gosto positivamente. Mas eu faço arte para além do gosto e não sei se citar autores e títulos serve para dizer quem sou ou o que estou trabalhando! Acho que o que faço é o que faço, independente de qual fonte eu bebi aqueles versos ou aqueles sentimentos dispersos. É fato que a DIABOLISM segue um traço que deliberadamente direcionei para criar as obras literárias da banda. Sim, busquei as referências de autores que já lidaram com a senda draconiana há muitas eras, mas eu também vi minha mão tocar nessas mesmas chagas e elas sangrarem. É deste sangue que verte o sentimento pérfido que quero transmitir, e não as falas de Marin apenas ou de Karlsson e sim aos dizeres mais íntimos e individualistas de Anton Naberius. Sobre minha literatura atual, eu tenho me debruçado sobre a literatura histórica do Brasil sobre outros olhares, como o olhar do povo negro sobre a escravidão, sobre a construção segregacionista e racial da nossa sociedade e como ela é perversa. Lido sobre as estruturas geopolíticas e sobre a diversidade da intransigência humana como ela se contrapõe e onde estão estas fronteiras, como elas se desenham no mapa mundial e como isso nos afeta. Nós, latino-americanos, manipulados pelo capitalismo e a selvageria interesseira dos norte-americanos. Quanto à literatura ocultista, me atrai muito o luciferanismo, satanismo draconiano e o satanismo adramalaico.
O que os fãs podem esperar do DIABOLISM em 2022? Confesso que ainda tenho dúvidas se encaro vocês como um projeto ou como uma banda propriamente dita.
Anton Naberius – O objetivo atual é divulgar muito nosso EP “Sidvs”, e que realmente tenhamos êxito em mostrar nossa música profana. Por outro lado, estamos num processo de composição de um álbum completo e já temos músicas suficientes para gravarmos, e todas as músicas serão inéditas, ou seja, o que está registrado em “Sidvs” não terá regravação no álbum. Posso lhes garantir que será um álbum ainda mais estrondoso no sentido lírico e musical, aquilo que está sendo forjado no calor do fogo vai fazer jorrar muito sangue, muito desespero, dor, angústia e aos admiradores de uma música mais violenta, muito prazer. Quanto a ser projeto ou banda, eu tenho uma tese própria sobre isso… ao meu ver, projeto é algo que ainda não foi concretizado e que está num plano futuro, sendo moldado, portanto a DIABOLISM já ultrapassou essa fronteira entre projeto e banda. Hoje a DIABOLISM é uma realidade concreta, atuante e que produz sua arte, espalha essa arte… dar essa entrevista é um ato concreto e não uma ideia a ser concretizada.
Magister Templi Lhorde Haadaas Naberius, obrigado pelo tempo cedido à equipe da The Ghost Writer Magazine. O espaço agora é seu para as considerações finais.
Anton Naberius – Nós quem agradecemos o espaço. Novamente digo que acho muito importante termos veículos de comunicação, que sejam voltados ao underground de alguma forma tornando visíveis as bandas nacionais. Estamos num meio extremamente competitivo hoje, até desleal, e eu nunca acreditei que o Metal tivesse que ser um espaço para competitividade e sim para convergências, que as mãos fossem dadas, mas estamos aqui para perceber o quanto somos humanos e o quanto nosso corpo é podre! Uma carcaça ambulante que foi criada ao interesse de quem pretende mandar. Sabe aqueles mortos vivos que vemos na série de games “Resident Evil”? Pois é, aqueles zumbis somos nós e a Umbrella Corporation é a galera que manda no mundo e quer mesmo é distancia de vocês, seus zumbis (risos gerais). Fodam-se.
Notícia mais antiga: YNYS WYDRYN – Na busca de novos caminhos e camadas para o Death Metal »