Philips Monsters of Rock – Sonhos e Recordações
Postado em 23/12/2024


O ano era 1995 e este que vos escreve tinha acabado de completar dezoito anos de idade. Como presente de aniversário, para abrir a minha maioridade com chave de ouro, fui agraciado com um ingresso especial para estar presente da segunda edição do Philips Monsters of Rock, que aconteceu no estádio do Pacaembu em São Paulo, no dia 02 de setembro.

Como todo debutante, pelo menos no que diz respeito a participar de um evento daquela magnitude, estava extremamente empolgado para poder conferir in loco os estadunidenses do Megadeth, que na ocasião promoviam o maravilhoso “Youthanasia” (1994). Lembro-me de ter adquirido este álbum no dia do seu lançamento mundial, e foi amor à primeira audição. Desta forma, posso dizer que a força motriz que me impulsionou para esta minha primeira grande trip, foi o talento nato de Dave Mustaine como músico e compositor.

O Megadeth nos anos noventa vivia um grande momento criativo, não por acaso, além do próprio “Youthanasia”, pérolas como “Rust in Peace” (1990) e “Countdown to Extinction” (1992) serviram como porta de entrada para um novo e verdadeiro estilo de vida que se abria para mim, repleto de camadas e descobertas sem fim. Além dos californianos, ouvi falar muito bem dos ingleses do Paradise Lost, que estavam com o seu opus “Draconian Times” recém saído do forno, e do Faith no More com o seu “King for a Day… Fool for a Lifetime” que trazia uma roupagem muito mais pesada.

Apesar dos dinossauros Alice Cooper e Ozzy Osbourne serem os headliners, eu ainda não tinha maturidade musical suficiente para compreendê-los, à ponto de criar qualquer tipo de expectativa ou vínculo emocional. Isso pode soar blasfemo nos dias de hoje, afinal de contas, como alguém pode ter a coragem de negligenciar o vocalista da formação clássica do Black Sabbath, em sua prolífica carreira solo?! Pois é, a imaturidade era tamanha que, ao final do show do Megadeth, não estava mais me importando tanto com o que viria a se apresentar depois.

A minha chegada ao estádio foi muito tranquila, com aquele velho e bom climinha frio de São Paulo abraçando a todos. Acredito que mais de 50.000 pessoas compareceram naquela oportunidade, o que foi deveras assustador para mim, ao mesmo tempo que me senti acolhido por semelhantes que me entendiam e não me criticavam pelo meu gosto musical, que fugia do que comumente era transmitido nas estações de rádio e programas dominicais de televisão.

Ao entrar no recinto me deparei com a minha primeira surpresa. Fui correndo direto para o mais próximo do palco que eu pudesse chegar, para já ir me posicionando para os shows do Paradise Lost e Megadeth. Então eis que me assustei com uma banda em cena, detentora de uma sonoridade esquisita, que mesclava Rap com Metal e que estava promovendo o álbum “Use Your Brain” (1995). Tratava-se da sueca Clawfinger, encaixada de última hora e que nem constava no cartaz oficial. Mas então, a tal surpresa agregou?! Confesso que não, apesar de ter gostado da grudenta “Nigger”, carro chefe do debut “Deaf Dumb Blind” (1993).

Ainda neste meu panorama inicial de adaptação, mal havia percebido e os hermanos do Rata Blanca foram para o front e o público não os perdoou, sendo bastante hostil. Achei extremamente injusto, porque os argentinos sempre foram muito competentes na sua mescla de Heavy Metal e Hard Rock. Todavia, acredito que a falta de receptividade ocorreu meramente por revanchismos culturais, do que pela música propriamente dita. “Entre el cielo y el Infierno” (1994) foi um grande lançamento, que acabou por me apresentar o belíssimo vocalista Mario Ian. Uma pena o clima não ter sido favorável, eles mereciam mais sorte, de verdade!

Eu estava com aquele gosto agridoce na boca, tendo visto a competência do Rata Blanca em meio aos xingamentos e provocações dos presentes, quando a mineira Virna Lisi, única representante brasileira, foi a próxima a encarar o público. Com a sua inusitada mistura de Samba, Congada, MPB e Pós-Punk, poucas vezes vi um artista ser tão hostilizado quanto esses caras foram. O que os “fãs” tinham em mãos era arremessado sem dó no palco. Foi um verdadeiro milagre eles conseguirem completar o seu show, mas para dizer que nem tudo foi uma tragédia, Iggor Cavalera (Cavalera, ex-Sepultura) foi um convidado de honra estratégico, para arrefecer os ânimos exaltados. E olhe que ele até conseguiu, por um curto espaço de tempo, mas conseguiu.

Até aqui o saldo estava no negativo. Havia visto a Clawfinger com um som bem experimental e que nem no cronograma estava, já o Rata Blanca e Virna Lisi tentaram ao máximo, mas não conseguiram conquistar a plateia. Não nego que estava desanimado, principalmente pela falta de educação e cordialidade de uma grande parcela das pessoas que lá estavam, o que acabou por manchar um pouco da minha experiência. Mas eis que finalmente o Paradise Lost deu o ar da graça e tudo mudou da água para o vinho!

Quando a introdução de “Enchantment” começou a ecoar no estádio, meu coração foi parar na boca. Eu já conhecia a banda através de “Icon” (1993), mas confesso que não estava preparado para a mudança que “Draconian Times” (1995) acarretaria na minha vida. A emoção de estar lá naquela turnê foi algo sublime, algo que ninguém conseguirá arrancar da minha memória. E foi dentro deste espectro favorável que clássicas como “As I Die”, “Embers Fire” e “The True Belief” desfilaram uma a uma, moldando o que viria a ser um novo ser humano dali por diante!

Estava anestesiado com o Paradise Lost, então aproveitei para me permitir descansar um pouco no set da irlandesa Therapy?, que trouxe o seu Irish Rock cativante, melodioso, mas que destoava muito de todo o restante do cast. “Infernal Love” (1995) era o álbum da vez, e o seu tom mais comercial acabou chamando a minha atenção de maneira bem positiva. Cheguei a acompanhar algo do trio nos anos noventa, mas depois fui naturalmente deixando de lado.

Já estava entardecendo quando os roadies empurravam o praticável do saudoso baterista Nick Menza para o centro do palco. Não preciso nem dizer que eu já estava aos prantos, e o show do Megadeth nem havia começado ainda. Então, com pouco menos de meia hora após o Therapy? ter se despedido dos brasileiros; Dave Mustaine, Marty Friedman, David Ellefson e o já citado Nick Menza chegaram se impondo como co-headliners do Philips Monsters of Rock. A presença do quarteto é algo muito forte, então poder assistir pela primeira vez canções como “Hangar 18”, “Holy Wars… The Punishment Due”, “Wake Up Dead”, “Symphony of Destruction”, além das novas “Reckoning Day” e “A Tout le Monde” foi algo indescritível, surreal.

Quando o Megadeth se despediu com “Anarchy in the U.K.”, cover do Sex Pistols, senti que uma parte de mim ficou naquele palco. Então, caro leitor, caso você seja muito fã de um determinado artista, lhe asseguro que vale a pena cada suor pelo esforço de vê-lo presencialmente. Tanto que estou aqui tentando traduzir em palavras o que significou aquela experiência e, a cada nova linha que redijo, menos sinto que estou sendo preciso com meus sentimentos e impressões.

A demora foi longa, mas o Faith no More assumiu a bronca de tentar manter a energia lá nas alturas, após o showzaço do Megadeth. Conseguiram? Infelizmente, não! Além de uma performance deficiente, a qual Mike Patton tentava a todo instante emular o comportamento de Phil Anselmo (Pantera), durante o set ocorreu uma falta de energia que atrasou o andamento do festival como um todo. Quando a energia voltou, os fãs já estavam frios, alimentados também por uma garoa fina que castigou incansavelmente toda a legião de preto, que ainda aguardava por Alice Cooper e Ozzy Osbourne.

O Faith no More ainda tentou alguma coisa com “Epic”, mas já era tarde para reverter toda aquela problemática instaurada. Naquele momento eu só queria que tudo acabasse, para darmos seguimento ao show de Alice Cooper. E eu não estava errado por estar ansioso, já que a tia Alice trouxe um palco completo para nós brasileiros. Todos ali foram transportados para um cenário de filme de horror, com direito a muitos atores dando suporte, artifícios ilusionistas e muita pirotecnia.

Não por acaso, em um determinado momento, me recordo daquele senhor sair de dentro de uma caixa de madeira, após uma controlada explosão, vestindo a camiseta da seleção brasileira. Obviamente, todos foram ao delírio com a homenagem. Nunca fui muito íntimo da obra de Alice Cooper, e devo admitir que, mesmo amando o show, ele não me fez me interessar por acompanha-lo com o passar dos anos. Ainda assim, “No More Mr. Nice Guy”, “School’s Out” e “Elected” foram os destaques.

Com a saída de Alice Cooper, eu já me sentia extremamente exaurido. Como não tinha conexão com Ozzy Osbourne, acabei abrindo mão da sua apresentação, que visava promover o hoje clássico “Ozzmosis” (1995). Obviamente, além das sempre lembradas “Mr. Crowley”, “No More Tears”, “Crazy Train” e “Bark at the Moon”, seus tempos de Black Sabbath foram rememorados com “Paranoid”, “Sabbath Bloody Sabbath” e “War Pigs”. Com certeza me arrependo amargamente por não ter sido mais resiliente, mas senti que a minha missão havia sido cumprida, principalmente por ter acompanhado o Megadeth e o Paradise Lost, nas suas melhores fases das suas respectivas carreiras.

Com muitas memórias na bagagem, voltei para casa com o espírito leve e cheio de histórias para contar. Foi a partir desta experiência que solidificou em mim o desejo de viver deste estilo de música, abraçando, inclusive, todas as características que denotaram o meu modo de ver a vida, seus valores e dissabores. Obrigado, Philips Monsters of Rock! Vinte e nove anos e contando…

 
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