Garage Rock Festival – do Doom ao Death Metal nos seus primórdios
Postado em 08/01/2025


O Garage Rock Festival, promovido pela hoje extinta Uivo produções, pode ser encarado como um dos principais eventos da cena independente do estado da Bahia, mesmo passados mais de trinta anos da sua primeira edição, ocorrida em julho de 1992. Em 1994, quando completou três anos de existência, o festival contou com o que existia de melhor no underground soteropolitano, não se furtando de colocar no mesmo ambiente bandas como Mystifier, Malefactor, The Cross, Tempestas (SC), Zona Abissal, Mercy Killing, Headhunter D.C., Síncope e tantas outras.

E foi justamente naquele ano, quando eu tinha apenas dezessete ciclos completados, que pude comparecer ao meu primeiro show de música extrema. Não por acaso, já conhecia de nome algumas das citadas no parágrafo anterior, mas a minha curiosidade bateu mais forte quando soube que a Tempestas, de Santa Catarina, estaria presente com o seu Death Metal técnico, muito inspirado na vida e obra de Chuck Schuldiner (ex-Death, Control Denied). De quebra, ainda daria tempo para conferir o Doom Metal dos pioneiros da The Cross, que já tinham uma boa representatividade na cidade de Salvador.

A terceira edição do Garage Rock ocorreu na Faculdade de Economia e Ciências Contábeis (UFBA), recebendo um público entre duzentas e trezentas pessoas por noite. A minha experiência ocorreu em 23 de julho, e me recordo que não foi fácil me enturmar ou conhecer os músicos que ali estavam. Eu estou aqui me referindo a uma época que nada era de fácil acesso, desde adquirir uma simples Demo Tape, até o contato direto com os músicos. Absolutamente todos eram reservados, até para manter aquela aura ideológica que tanto foi importante, para que o alicerce do Metal Extremo fosse fincado em um terreno muito sólido.

E foi dentro deste quadro que tomei conhecimento que a banda Masterbrain, havia sido incluída de última hora no cronograma. O power trio mesclava elementos de Punk Rock com Metal, e havia lançado sua Demo homônima recentemente, contendo três faixas inéditas. Os caras não foram recebidos com muito entusiasmo, já que eles soaram muito deslocados diante das atrações principais, The Cross e Tempestas. Confesso que, passados tantos anos, nunca consegui entender bem a escalação da Masterbrain para ser a abertura naquela noite, mas ainda assim gostei bastante de músicas como “Peace” e “Get Out!”.

Após a curta participação da Masterbrain, o clima pesou com o Funeral Doom Metal da The Cross em cena. A banda estava promovendo a sua segunda Demo Tape “Peregrination” (94), mas o set se escorou bastante na clássica “The Fall”, lançada um ano antes. Com andamentos arrastados, teclados em profusão e um vocalista que intensificava toda essa aura com linhas scream muito bem encaixadas, foram os principais pontos para entreter a plateia, ávida por acompanhar clássicas como “Flames of Deceit”, “The Fall” e “Scars of an Illusion”, além das novas “Shadows of the Past” e “Life in Solitude”.

Saí do salão principal após o show da The Cross, para entender o que tinha acontecido ali. Mal sabia eu que, a partir daquele momento, passaria a encarar o Doom Metal como um dos subgêneros do Metal mais representativos na minha trajetória dentro da música. Para um garoto de dezessete anos, na primeira metade da década de noventa, presenciar algo tão forte como aquela apresentação pode vir a marcar uma vida inteira, como de fato acabou acontecendo.

Não demorou muito para a Tempestas subir no pequeno palco ali montado, de estrutura simples, porém adequada para os padrões que tínhamos. Com o lançamento da Demo “Clandestine Ways” (93), que serviu como prévia do seu debut “Euphony of Contradictions”, que só viria a ser lançado em 1995, fomos presenteados com ótimas composições, extremamente complexas e bem executadas. Como já foi dito, o quinteto bebia muito da fonte do Death Metal da ramificação mais apurada do estilo, desta forma, comparações com o Death do já mencionado Chuck Schuldiner, eram inevitáveis não apenas pelas estruturas das músicas em si, mas também pelo timbre e maneira de cantar do saudoso Julian Wortmeyer, que nos deixou vítima de afogamento em 2003.

“Clandestine Ways” e “Euphony of Contradictions” foram os destaques, além de algumas outras que fariam parte do vindouro álbum. Naquele momento o local estava completamente lotado, então poder acompanhar pela primeira vez in loco diversas pessoas, com gostos musicais similares aos meus, se divertindo, interagindo e compartilhando aqueles momentos foi algo que não tem preço. Desta forma, ao presenciar duas das melhores representantes do Doom e Death Metal atuando juntas, foi um marco inesquecível e que me rende um sentimento saudosista até os dias de hoje, em pleno 2025.

E como estão as três bandas aqui listadas neste breve texto, nos dias atuais?! A The Cross é a única que continua em atividades, atuante e sempre lançando novos itens para a sua discografia, sendo o último, o recém disponibilizado EP “Requiescit in Pace Frater Noster” (23). Já a Masterbrain, ainda na década de noventa, mudou seu nome para Maria Bacana e seguiu por caminhos mais comerciais, fundindo traços da MPB com o já utilizado Punk Rock. E a Tempestas, após o trágico falecimento do seu vocalista, preferiu descontinuar o projeto, talvez em respeito à memória do músico e amigo.

Finalizo aqui o meu texto, reiterando a importância inquestionável que o Garage Rock Festival teve para a cena underground na Bahia. Tal iniciativa sempre primou por abrir espaços para novas bandas se lançarem no mercado, dentro de contextos estruturais acima do que eram esperados. Partindo desta premissa, quando analisamos os padrões de uma realidade de cena, que estava ainda engatinhando nas suas mais diversas áreas, o novo modelo proposto pela Uivo Produções foi uma colaboração fundamental para a busca do profissionalismo tão almejado, conferindo então um novo padrão de qualidade a ser seguido dentro do nicho.

Fotos: Adriana Tourinho

 
Categoria/Category: Matérias

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