A CARNIFIED é um dos grandes medalhões, quando nos referimos ao Metal Extremo feito no nordeste. Contando com um álbum que se tornou referência para o Death/Black Metal no estado da Bahia, “Where the Gods Bleed” (2001), o grupo continua em plena atividade, repaginado, com nova line up e nos apresentando o seu mais novo lançamento, o EP “Carnage for the Gods” (2022). Fomos bater um papo com o baterista, líder e membro fundador Vicente Azevedo, que nos revelou detalhes sobre a carreira do projeto desde o seu alicerce, no início doa anos dois mil, até o presente 2022. Com a palavra, Vicente Azevedo…
– A CARNIFIED foi fundada em 1994, e no mesmo ano lançou a Demo “Putrid Development”, mais voltada para o Death Metal. O que você pode nos falar sobre este momento inicial da carreira da banda e como foi a aceitação deste material na cena?
Vicente Azevedo – A CARNIFIED, assim como a maioria das bandas que existem no estilo, foi formada por adolescentes que curtiam demais o Metal. Bem naquela fase inicial, onde você descobre que instrumento quer tocar! Não tinham músicos experientes, apenas amigos que por uma afinidade ou outra queriam fazer aquele som, inspirados nos ídolos que faziam a cabeça da molecada na época. Não encarávamos como uma carreira e sim como uma forma quase que visceral de botar pra fora a criatividade e vontade de tocar, algo que representasse a fúria e rebeldia típica desta fase da vida, só que regada a muitos riffs e berros! O Estilo não teve escolha, era o que nós sempre gostávamos de ouvir e que estávamos aprendendo a fazer. A aceitação nunca foi uma coisa a ser perseguida, apesar de sempre desejar que nosso som fosse ouvido! O que de fato todo mundo queria mesmo era tocar, se por acaso fôssemos reconhecidos já estaria bom demais… Sempre tivemos ajuda de bons amigos, que já tinham bandas e faziam parte do circuito de shows que existia nos anos 90. O cenário naquela época era foda demais… Bandas locais como o Mystifier, Headhunter D.C., Slavery, The Cross, Mercy Killing, Obliteration, Necrolust, Chemical Death, entre outras que minha cabeça não vai lembrar agora eram verdadeiras inspirações para nós! Acho que conseguimos com esta Demo adentrar no mundo do Metal e mostrar para nós mesmos, para os amigos que curtiam a banda e para a cena local, que daríamos conta de representar nossa região no Metal nacional.
– Com um enorme intervalo de dois anos, em 1996, a banda deu o seu segundo passo discográfico com a disponibilização de “The Carnification”, sua segunda Demo Tape. Já contando com nova formação, mas ainda enveredando pelo Death Metal, quais resultados este lançamento trouxe para vocês naquele período?
Vicente Azevedo – Nesta fase já tínhamos enfrentado a saída de vários membros da banda. Fizemos uma apresentação no Palco do Rock em fevereiro daquele ano que foi muito importante para nós, dada a grandeza do evento e à exposição para um maior público. Esta Demo foi gravada em meados de 96, estávamos com três integrantes, sendo dois guitarristas e eu na batera. O Alex (ex- Headhunter D.C., Impetuous Rage, naquela fase não estava mais na banda) deu um grande apoio e gravou os vocais e baixo para a música “Northern Winds from the Eternal Search Valley” que foi inserida na coletânea “The Winds Of A New Millennium #2” da Demise Records lançada em 1997 e aproveitamos para gravar algumas músicas do nosso set que estávamos ensaiando, originando assim o material para a Demo “The Carnification”.
– Em 1998, com o lançamento da Demo “O Primeiro Elo”, a banda passou por um amadurecimento estrutural absurdo. Neste artefato, é meio nítida a influência de bandas como Cradle of Filth (principalmente) e Dimmu Borgir, o que agregou muito ao Death Metal que sempre foi o alicerce de vocês. Por qual razão optaram por este novo caminho e o que ele trouxe de positivo para o grupo?
Vicente Azevedo – Como disse anteriormente, tudo que escrevemos era reflexo direto do que ouvíamos. Então, com a Demo “O Primeiro Elo” não foi diferente. Por isso você nota elementos do Black Metal Sinfônico, se fundindo ao nosso Death Metal. Estávamos procurando a nossa identidade, e acredito que com essa Demo conseguimos uma evolução substancial na nossa musicalidade.
– Ainda falando da Demo “O Primeiro Elo”, nela contamos com a participação do vocalista Lord Vlad (Malefactor, Poisonous) em “Symphony for Sohram”. Na minha ótica, a passagem que o cara participa meio que abriu mais um leque de opções para as próximas músicas da banda. Concordam com tal afirmativa? Vocês são adeptos, ainda hoje, de vozes mais melodiosas em estilos como o Death/Black Metal?
Vicente Azevedo – Em 97 já contávamos com a presença do Marcos Franco como guitarrista, que foi o cara que trouxe essas influências, agregando assim mais opções na linha de composição. Tivemos uma fase inicial onde o primeiro guitarrista (Leonardo Pinheiro) era quem compunha as músicas e passava para o resto da banda, na época da “Putrid Development”. Na segunda Demo “The Carnification” já contávamos com o Felipe Sá e eu trabalhando nas composições e, com a entrada do Marcão, os horizontes foram abertos… De repente nos vimos com seis integrantes na banda (gente pra caralho), uma nova voz com Serafin Garrido (que também era tecladista), Saulo Andrade nos teclados, André Tourinho que assumiu o baixo e fazia muitos dos vocais melódicos junto com o Marcão e, é claro, que as participações foram muito importantes para enriquecer com qualidade e referenciar este material. O Lord Vlad nos presenteou com sua participação foda, o Ephendi Steven (produtor musical deste material) fez um pequeno trecho de voz feminina, fechando de forma muito satisfatória com o que tínhamos projetado para este lançamento, que foi feito para conseguir nos expor e ajudar na batalha para conseguirmos uma gravadora. Este tipo de formação tem suas vantagens, você preenche de melodia e enriquece a ambientação na música, mas para mim, não falo pelo resto da banda, é muito instrumento para organizar e conseguir sair perfeito. Muita gente para dar problema e foi complicado gerenciar aquilo e proporcionar nos shows este tipo de som que se esperava, ouvindo este Promo CD. Somos adeptos à liberdade de criação, e o trabalho que isto vai dar para ser executado já é outro problema…
– Em Salvador, principalmente nos anos noventa, a cena extrema estava infestada de marginais travestidos de headbangers. Era muito comum relatos de brigas, espancamentos e pseudo radicais que ditavam quem era real e quem não era. Como a CARNIFIED se posicionava neste contexto? Imagino que vocês enfrentaram este tipo de problema também…
Vicente Azevedo – Cara, você vai achar gente imbecil em todo lugar do mundo, fazendo de tudo… Eu considero que a CARNIFIED teve muita sorte, pois nunca tivemos atritos sérios ou preocupação em explicar nada para ninguém… Como falei anteriormente, a vontade era sempre só de tocar, uma briga ou outra por causa da testosterona, frustração ou problema mental de alguns é bem normal. O problema é quando isso é levado a sério demais, pois você acaba perdendo o foco, que é a música! Seja qual temática, religião ou ideia que esteja diluído nela, o foco é a música! Mas essas polêmicas são normais e às vezes ajudam até a “vender” as bandas que focam mais neste tipo de coisa. Mas, definitivamente, não é o nosso caso!
– No ano de 2001, com a banda novamente sofrendo por reformulações profundas, foi lançado o debut “Where the God’s Bleed”, através da Maniac Records. Este material meio que consolidou o estilo pavimentado em “O Primeiro Elo”. Passados tantos anos deste álbum, quais são suas principais recordações sobre este período na trajetória do grupo?
Vicente Azevedo – Vou falar de forma bastante pessoal sobre este trabalho, visto que nem o Dan e nem o Marcos faziam parte da formação neste lançamento. O legado do Marcão foi absorvido pela banda e mesmo após sua “saída” demos continuidade com o amadurecimento musical, que em muito deveu-se à sua criatividade e ousadia. Fizemos alguns shows naquele período com a formação que gravou o disco e, mesmo fora da banda, o cara tocou com a gente após a saída do Ricardo Sanct (Veuliah, ex-Malefactor), compondo a dupla de guitarras com o Rafael Pires em muitas das apresentações que seguiram na promoção deste disco.
– A banda passou por um hiato gigantesco em sua carreira, retomando apenas em 2021 às suas atividades. O que houve para que vocês tomassem a decisão de parar e, principalmente, por qual razão optaram pelo retorno, vinte anos após “Where the God’s Bleed”.
Vicente Azevedo – Após a gravação e divulgação do “Where The Gods Bleed” passamos por nova reformulação, tivemos o Manoel Oliveira (ex-Forsaken) no baixo, o Gabriel Mattos na guitarra e, por um breve período, eu assumi uma das guitarras junto com o Rafael Pires e a bateria ficou a cargo do Luis Fernando (ex-Shadows, Drearylands, Mystifier). Fizemos alguns shows com esta formação e estávamos compondo as músicas para o próximo material, mas por necessidades pessoais, membros que foram morar em outro estado e a saída do vocalista Serafin Vila (ex-Ungodly), forçaram a banda a entrar em stand by, latente, pulsante, mas não atuante. Por muito tempo o guitarrista Gabriel Mattos me perseguiu para retornarmos com os trabalhos, até que finalmente marcamos de gravar umas músicas que estavam feitas, desde a época do disco e outras novas… Fechamos com o Marcão para produzir este novo material que seria de quatro músicas. Acabou que de repente estávamos com uma nova formação, pois o Marcão trouxe o Dan Loureiro (Ynys Wydryn, ex-Behavior) para assumir os vocais e baixo, então novamente estávamos prontos para retornar em plena pandemia. Antes de concluirmos a gravação do nosso Single “Nocturna”, o Gabriel novamente saiu, mas já estávamos sólidos e seguimos em frente.
– Para coroar o retorno à ativa, a banda lançou a coletânea online “Prelude to Askarden… The Lost Tapes (1994-96)”. Este material conta com as duas primeiras Demos e faixas raras nunca antes lançadas. O que você pode nos dizer sobre este lançamento? Seria uma forma de reintrodução no cenário?
Vicente Azevedo – Sim, tivemos uma importante ajuda para este retorno. Ajuda pessoal do Eduardo Macedo (ex-Veuliah e Tharsis, que seria nosso novo vocalista nesta fase, mas a distância impediu que isto acontecesse), além da própria MS Metal Agency Brasil, com o planejamento deste retorno, acompanhamento e divulgação nas redes sociais. A estratégia foi traçada pelo Eduardo Macedo e acreditamos que isto ajudou na contextualização para nos apresentarmos depois de tanto tempo.
– Ainda em 2021 a banda disponibilizou o Single inédito “Nocturna”, que contou com um excelente videoclipe, e que inclui elementos mais contemporâneos ao seu Death/Black Metal. Sentimos que a essência da banda foi mantida, mesmo após tantos anos sem sair nada novo. Esta foi a intenção? Vocês meio que procuraram seguir uma fórmula de trabalho pré-estabelecida para esta composição?
Vicente Azevedo – Esta música e mais umas tantas foram feitas na época da divulgação do disco “Where The Gods Bleed”, provavelmente em 2002, naquela época eu estava compondo bastante e fiz muitas músicas com esta pegada, que é o que eu naturalmente consigo fazer. Ela foi tocada em shows em Salvador e em Feira de Santana (Bahia) entre 2002 e 2004, mas após audição do material que gravaríamos quando acertamos a produção do Marcos Franco, ele identificou que ela precisava de uma reformulação e assim “Nocturna” se tornou o marco deste retorno, com os três desta nova formação remodelando e atualizando-a.
– “Nocturna” trouxe ainda a participação mais que especial da cantora inglesa Sarah Jezebel Deva (ex-Cradle of Filth, Therion, Hecate Enthroned, Mortiis e The Kovenant). Como se deu o contato com Sarah? Na nossa ótica, o resultado ficou absolutamente no nível de qualquer outro trabalho assinado por ela! Como vocês avaliam o resultado e o que representou a presença dela para a carreira de vocês?
Vicente Azevedo – Os caras, Marcão e Dan, assinam como produtores musicais no Revolusom Studios e ambos são feras no que se refere a produção musical, em todas as suas etapas e em todos os níveis. Eles estão acostumados a lidar com artistas renomados e toda essa galera profissional da música. Quando eu falei sobre a necessidade de uma participação de voz feminina, onde a personagem principal desta fase da história lança um encantamento no meio da composição, rapidamente os dois pensaram nela, pensaram grande e pensaram certo! Com toda a fé no trampo que estavam em mãos, procuraram a diva metálica e ela com sua simplicidade característica, diferentemente de muitos que não têm sequer uma pequena fração de todo o legado que esta mulher foda construiu no Metal, tratou os mortais aqui com muito profissionalismo e cordialidade. Nós ficamos honrados e às vezes nem acreditamos que a Sarah participou de um trampo nosso! É o ponto mais alto de toda nossa história como banda, uma grande realização, sem falar que ela deu uma aula, pegando um arranjo que seria apenas uma fala, deu várias opções e ainda cantou em um pequeno trecho… O retorno dela foi o que mais espantou, ela gostou, acreditou no projeto, ajuda a divulgar, tornou-se uma grande amiga e demonstra interesse em participar em mais trabalhos conosco.
– Como mencionei anteriormente, “Nocturna” conta com um excelente videoclipe, que foi produzido pelo guitarrista da banda Marcos Franco. O que você pode nos falar sobre esta produção e a mensagem que carrega consigo?
Vicente Azevedo – O Marcão detonou nessa produção! Foi feita de maneira simples, com muito esforço de todos, muito conhecimento técnico do Marcão e da equipe que ele dirigiu, com pouquíssima grana e teve um resultado muito bom! Aliás tudo que fazemos tem sido com muito esmero, eu me considero um cara de sorte por ter dois monstros como Dan e Marcos na banda!
– É sabido que a banda está atualmente lançando um EP de inéditas, “Carnage for the Gods”, disponibilizado neste ano de 2022. O que vocês podem nos adiantar sobre a receptividade a este material?
Vicente Azevedo – Estamos nos esforçando para dar continuidade com a qualidade de “Nocturna” em tudo que estamos fazendo e, a nossa maior dificuldade, tem sido o pouco tempo que dispomos para trabalhar neste novo material. Em contrapartida, em todas as sessões que conseguimos nos reunir, adiantamos muito e o material ficou violento! São duas faixas, “In Darkness…” e “Our Own Blood”, lançadas exclusivamente para o formato digital. Ambas estão indo muito bem, temos tido ótimos números com elas até aqui.
– Muito obrigado pelo tempo cedido à equipe da The Ghost Writer Magazine. Caso algum tema não tenha sido aqui abordado, deixamos este espaço livre para as suas considerações finais…
Vicente Azevedo – Nós que agradecemos pela consideração e seriedade que tratam o nosso trabalho. Queríamos agradecer aos amigos que sempre nos ajudam nesta jornada, aos velhos e novos, às pessoas que suportam o trabalho de bandas independentes, aos que se permitem olhar, escutar, sentir e vibrar fora da congruência imposta pela indústria da arte. Fica aqui o nosso forte abraço aos Irmãos da Eternal Hatred Records e para todos que nos apoiam.
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